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Discurso de Inauguração do Ano Judiciário Interamericano 2025 da Presidenta da Corte Interamericana, Juíza Nancy Hernández López 

I. Introdução

Como é tradição, dirijo-me a vocês no âmbito do início do Ano Judiciário Interamericano. Um evento solene que simboliza o começo da atuação desta Corte no ano de 2025. Uma prática que se consolida para promover a transparência, o diálogo e a prestação de contas diante de nossa região.

Inicio expressando o mais sincero agradecimento aos meus colegas juízas e juízes, ao Secretário e à Secretária Adjunta, bem como às advogadas, aos advogados e ao pessoal que nos auxilia em nosso trabalho. Sua dedicação foi fundamental em um ano extraordinário, especialmente no que diz respeito à função jurisdicional, que se mostrou particularmente exigente.

Cabe também reconhecer o trabalho dos juízes que deixam a Corte após 12 anos de serviço à justiça interamericana, Eduardo Ferrer Mac-Gregor e Humberto Sierra Porto. Ambos deixam uma enorme marca em nossa instituição e serão profundamente lembrados com saudade.

Hoje também celebramos e damos as boas-vindas aos novos juízes, Diego Moreno e Alberto Borea Odría. Dois destacados juristas que, com suas valiosas perspectivas e experiências, sem dúvida vieram para fortalecer a atuação de nosso Tribunal. Sejam bem-vindos, colegas; meus cumprimentos e felicitações a vocês e às suas famílias que nos acompanham hoje. Meus melhores votos de sucesso nessa nova função.

Igualmente, felicito nosso colega Ricardo Pérez Manrique, que foi reeleito para um novo mandato, sem dúvida como reconhecimento à sua excepcional qualidade profissional e ao seu compromisso com os valores que esta instituição representa.

Abraçamos este novo ano de atividades, reafirmando nosso compromisso com os mais elevados princípios que norteiam nosso trabalho: independência, imparcialidade e integridade; com a clareza de que nosso mandato principal é a defesa e proteção efetiva dos direitos e liberdades reconhecidos na Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

Hoje, gostaria de, como primeiro ponto, concentrar-me na função crucial do tribunal, isto é, sua função jurisdicional, que foi uma das prioridades de nossa mesa diretora durante o ano anterior e que permitiu à Corte criar padrões muito relevantes e avançar sua jurisprudência, ao mesmo tempo que resolveu um número recorde de casos contenciosos e possibilitou a realização de um número sem precedentes de audiências de pareceres consultivos de extrema importância para a região.

Como segundo tema, desejo dedicar um espaço para apresentar o panorama temático e os casos que o Tribunal agendará para o ano de 2025, considerando aqueles que foram submetidos pela Comissão Interamericana.

Por fim, gostaria de compartilhar algumas reflexões finais.

Por razões de tempo, reservarei os detalhes completos de todo o trabalho do Tribunal para o relatório anual escrito que é periodicamente apresentado à Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos.

Sobre a atuação jurisdicional do Tribunal, o ano de 2024 foi particularmente intenso. O tribunal proferiu aproximadamente 20% mais sentenças de mérito do que no ano anterior; da mesma forma, na fase de supervisão do cumprimento das sentenças, foi declarado o cumprimento total e o cumprimento parcial ou avanços no cumprimento de mais de 100 medidas de reparação de 12 Estados: Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Equador, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Paraguai, Peru e Uruguai.

Todos esses avanços no cumprimento das sentenças merecem reconhecimento, pois sabemos que não são fáceis de alcançar a curto prazo, dada a magnitude das reparações e, às vezes, das indenizações. A título de exemplo, para dimensionar a envergadura dos casos nesta etapa, cito o caso dos Professores de Charñaral, que foi concluído no ano passado, no qual quase 1.000 professores foram indenizados para reparar injustiças cometidas durante a ditadura chilena. Este é um esforço extraordinário que demandou recursos milionários, sem dúvida um exemplo do impacto das decisões deste tribunal, mas, sobretudo, um exemplo do compromisso e da coerência das autoridades atuais com o Sistema Interamericano.

Além disso, a Corte realizou sessões durante 22 semanas, 4 delas fora de sua sede, no Brasil e em Barbados; foram realizadas 15 audiências e 37 deliberações de sentenças de mérito. Também ocorreram diversas audiências de supervisão de sentenças no Paraguai, Colômbia, Guatemala e Chile.

Nessas sessões, um ponto determinante em nosso trabalho foram as históricas audiências sobre o Parecer Consultivo sobre a emergência climática, realizadas em Barbados, Manaus e Brasília, com uma participação sem precedentes (263 observações escritas, 161 organizações e 9 Estados).

Foi um diálogo interseccional, interdisciplinar e intergeracional de proporções históricas para um Tribunal Internacional. Presenciamos a participação de povos indígenas desde o Alasca até a Terra do Fogo, bem como a representação de todas as gerações, incluindo crianças, adolescentes e idosos de várias regiões do mundo, a academia e a sociedade civil; todos unidos em uma única voz, demonstrando extrema preocupação com a ameaça existencial que representa a mudança climática.

Além disso, tivemos audiências sobre um Parecer Consultivo relativo ao direito ao cuidado, e iniciou-se a deliberação do Parecer Consultivo sobre a responsabilidade dos Estados em face das empresas que produzem e comercializam armas. Ambos os temas são inéditos e de grande impacto na região.

Para tratar esses 3 Pareceres Consultivos, o Tribunal dedicou praticamente 6 semanas de jornadas maratonas.

Não há dúvida de que as audiências e as diligências de campo são essenciais para fortalecer o acesso à justiça, ultrapassar barreiras geográficas e aproximar a justiça dos Estados e das populações em situação de maior vulnerabilidade.

Esse contato direto em campo com os Estados e outras atividades complementares do tribunal foi possível, em parte, graças à cooperação econômica de: Suécia, Comissão Europeia, Noruega, Suíça, Espanha, Países Baixos, Alemanha e França, a quem agradeço em nome do Tribunal pelo apoio à nossa missão, em uma relação que foi respeitosa, sem condicionamentos, com o único objetivo de contribuir para a justiça interamericana. Também foi determinante a colaboração dos Estados da região e das organizações locais para o sucesso dessas atividades.

Nas audiências sobre o Parecer Consultivo sobre mudança climática, dentre as centenas de organizações que participaram, fiquei impactada ao ver que duas brilhantes intervenções foram realizadas exclusivamente por adolescentes de idade muito jovem. Em uma idade em que deveriam estar se divertindo com amigos, esses jovens assumiram sobre seus ombros uma responsabilidade típica de adultos. Conheceram seus direitos desde muito cedo, o que os capacitou a defendê-los com competência e firmeza, como ficou demonstrado nas audiências. Sua participação envia uma mensagem clara: a juventude quer ser ouvida e fazer parte da solução dos grandes temas de direitos humanos de nossa região.

Sob essa bandeira, a Corte iniciou um projeto para criar a primeira “Convenção Americana sobre Direitos Humanos comentada e ilustrada por e para a infância e a adolescência”, em uma versão comentada e produzida exclusivamente por eles.

Este projeto, resultado de oficinas participativas realizadas em escolas públicas e privadas com a participação ativa de toda a região, é um exemplo de que a justiça também pode ser inclusiva e visionária.

Agradeço, em nome da Corte, à Comissão para o Aperfeiçoamento da Administração da Justiça do Poder Judiciário da Costa Rica e à Fundação Paniamor pelo apoio e orientação durante todo esse processo. Também quero reconhecer o trabalho de Javier Marrizcurrena e da equipe de Cooperação Internacional da Corte.

É com satisfação que apresento a vocês um curto vídeo de dois minutos sobre a voz dos estudantes que participaram. Agradeço a presença, neste ato, dos alunos e da equipe diretiva do Liceo Elias Leiva Quirós de Cartago, que participaram do projeto e nos acompanham nesta manhã.

Esta Convenção Americana comentada e ilustrada para crianças e adolescentes está, a partir de hoje, disponível como material didático para toda a região no site da Corte, e vocês também podem consultá-la por meio do código QR que foi entregue no início.

Por outro lado, no âmbito do nosso 45º Aniversário, foi organizado um concurso regional de fotografia com vistas a projetar, culturalmente, as diferentes realidades que o continente vive em termos de direitos humanos. Hoje, neste ato, nosso diretor de Comunicações anunciará os vencedores.

II. Novos padrões – período 2024

Quanto aos novos padrões do período 2024, gostaria de destacar algumas das principais contribuições jurisprudenciais do Tribunal, que se concentraram principalmente em temas de Direitos Políticos e Democracia, integridade eleitoral, gênero, feminicídios no âmbito familiar, saúde reprodutiva, discriminação racial, acesso à informação e direito à verdade, acesso à justiça, povos indígenas, garantias judiciais, direitos econômicos, sociais, culturais e graves violações de direitos humanos.

A. Direitos Políticos e Democracia

No que tange aos direitos políticos e à democracia, há alguns anos o enfraquecimento democrático na região levou a Corte a receber casos relacionados aos direitos políticos.

Nesse contexto, em 2024 a Corte proferiu decisões relevantes nos casos Capriles Vs. Venezuela e Gadea Vs. Nicarágua, que marcaram um avanço significativo na jurisprudência sobre processos eleitorais e direitos políticos. Pela primeira vez, o Tribunal referiu-se ao conceito de integridade eleitoral, uma garantia derivada da Convenção Americana, enfatizando a importância da transparência, independência e do acesso a garantias judiciais nos processos democráticos.

No caso Capriles Vs. Venezuela, a Corte constatou que o processo eleitoral ocorreu em um contexto de deterioração progressiva da separação dos poderes, da independência do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) e do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ). No caso, a Corte comprovou o uso abusivo do aparelho estatal durante o processo eleitoral, favorecendo o candidato oficial. Além disso, a Corte estabeleceu que a atuação do Estado constituiu um abandono dos princípios fundamentais do Estado de Direito, ao desconsiderar as regras previstas pela própria legislação interna para limitar o poder e possibilitar o jogo democrático.

No caso Gadea, ficou igualmente comprovado que a falta de integridade do processo eleitoral favoreceu a reeleição do presidente em exercício e, além disso, considerou que o Tribunal Supremo de Justiça e o Conselho Supremo Eleitoral demonstraram parcialidade e não garantiram um recurso judicial efetivo para revisar as decisões que contestavam irregularidades no processo.

Em ambos os casos foram estabelecidos padrões relevantes para garantir a integridade eleitoral. Entre eles, podemos citar: a) a transparência no financiamento das campanhas e na contagem de votos, com a participação de observadores independentes; b) o acesso equitativo aos meios de comunicação; c) evitar o uso indevido de recursos estatais em favor de um candidato; e d) a imparcialidade e transparência dos organismos eleitorais e a eficácia dos recursos, entre outros.

Esses casos nos recordam a importância de organismos eleitorais autônomos e independentes e evidenciam que o deterioramento democrático não ocorre de um dia para o outro, mas sim por meio de mudanças estratégicas pequenas e graduais que visam favorecer a concentração de poder e a impunidade.

Gênero, feminicídios e saúde reprodutiva

Em matéria de gênero, o Tribunal conta com uma sólida jurisprudência em relação às obrigações dos Estados.

Durante 2024, a Corte teve a oportunidade de aprofundar a devida diligência reforçada em casos de feminicídios, sublinhando a imperiosa necessidade de aplicar uma adequada perspectiva de gênero em todas as ações judiciais e administrativas. Nessas decisões, foram estabelecidas diretrizes claras para a atuação das autoridades em todos os níveis, reafirmando, além disso, a relevância de visibilizar e rejeitar os estereótipos de gênero que perpetuam a discriminação e a violência.

Além disso, pela primeira vez a Corte se pronunciou sobre a violência contra as mulheres no âmbito familiar, reafirmando que o Estado deve agir com a devida diligência reforçada nas investigações, de modo que a inação estatal diante da violência doméstica gere responsabilidade internacional.

Também, no caso Beatriz e outros Vs. El Salvador, a Corte reiterou sua jurisprudência sobre violência obstétrica, lembrando que se trata de uma forma específica de violência baseada em gênero, exercida durante a gravidez, o parto e o pós-parto no acesso aos serviços de saúde.

Povos Indígenas em situação de isolamento

No que diz respeito aos povos indígenas, este ano a Corte conheceu, pela primeira vez, um caso relacionado a povos indígenas em situação de isolamento, isto é, sem contato com o restante da população, marcando um precedente crucial na proteção desses grupos especialmente vulneráveis.

Também abordou temas inéditos em matéria de consulta prévia, livre e informada, avaliando cenários em que as medidas administrativas ou legislativas propostas pelo Estado implicavam a execução de projetos de investimento fora do território, mas com impacto direto nele, examinando, pela primeira vez, cenários de não participação na consulta por decisão do próprio povo.

Essas decisões representam marcos na proteção dos direitos humanos de povos indígenas e tribais, ao reconhecer a complexidade de sua autodeterminação em contextos diversos, reforçando a necessidade de adotar abordagens mais inclusivas.

Direitos trabalhistas e DESCA

No âmbito dos direitos trabalhistas e dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais, a Corte continuou a fortalecer sua jurisprudência. Nesse sentido, durante o último ano, a Corte reafirmou a importância do acesso efetivo à justiça no âmbito trabalhista por meio de casos como SUTECASA Vs. Peru, no qual foi analisada a liberdade de associação e a proteção dos direitos dos trabalhadores, incluindo os idosos e seu direito ao acesso à justiça sem discriminação.

Princípio da igualdade e não discriminação

Por outro lado, a jurisprudência da Corte avançou significativamente na proteção do princípio da igualdade e da não discriminação, estabelecendo padrões específicos para diversos grupos em situação de vulnerabilidade, como adolescentes privados de liberdade, pessoas com deficiência, povos indígenas e mulheres.

No que diz respeito à não discriminação por motivo de deficiência, no caso Aguirre Magaña Vs. El Salvador, a Corte reiterou a obrigação dos Estados de adotar medidas para eliminar a discriminação contra pessoas com deficiência, enfatizando o papel crucial do acesso à justiça como mecanismo para erradicar a discriminação estrutural e garantir a plena integração dessas pessoas na sociedade.

Sobre a não discriminação racial e por condição socioeconômica, no caso Leite de Souza e outros Vs. Brasil, a Corte reiterou sua jurisprudência sobre a proibição de discriminação em virtude de raça e de condição de pobreza. A respeito, mencionou como os preconceitos e estereótipos impactam a objetividade dos funcionários estatais responsáveis por investigar as denúncias apresentadas, influenciando sua percepção na determinação de se houve ou não um fato de violência, na avaliação da credibilidade dos testemunhos e da própria vítima.

Além disso, a Corte analisou situações de discriminação racial estrutural contra pessoas afrodescendentes e de discriminação no contexto da proteção do direito à igualdade perante a lei, sobretudo em situações de violência contra mulheres no âmbito familiar.

Graves violações de direitos humanos

Em relação às graves violações de direitos humanos, nossa região, infelizmente, continua conhecendo casos relacionados à violência estatal. Durante o ano passado, o Tribunal debateu casos que refletem essa dolorosa realidade, incluindo desaparecimentos forçados nos casos Cuellar Sandoval e outros Vs. Equador, Ubaté e Bogotá Vs. Colômbia, e Pérez Lucas e outros Vs. Guatemala, nos quais analisou a persistência desse fenômeno e suas devastadoras consequências.

Além de aplicar sua extensa jurisprudência, a Corte desenvolveu os seus padrões, abordando os impactos diferenciados em mulheres buscadoras, crianças, adolescentes, reconhecendo as graves repercussões emocionais e sociais enfrentadas pelos familiares das vítimas.

Da mesma forma, nos casos Reyes Mantilla e outros Vs. Equador e Poggioli Pérez Vs. Venezuela, aprofundou-se o entendimento sobre detenções arbitrárias e ilegais.

Infelizmente, os desaparecimentos forçados, as detenções arbitrárias e a tortura permanecem como feridas abertas em nossa região.

Nesse contexto, o Direito Internacional tem sido fundamental para conceptualizar e enfrentar essas violações, avançando no sentido de padrões que buscam tratar não apenas a responsabilidade dos Estados, mas também o crescente papel de atores não estatais e do crime organizado.

Um caso de avanço na matéria de desaparecimentos forçados que vale a pena destacar – e que a Corte avaliou positivamente recentemente – refere-se aos esforços realizados pela Procuradoria-Geral e pela Comissão Nacional de Buscas de El Salvador, que possibilitaram localizar com vida José Adrián Rochac Hernández, após sua identificação inequívoca por meio de análise de DNA.

Garantias Judiciais

No tema das garantias judiciais, particularmente no que se refere à impunidade, no caso Galetovic Sapuanar Vs. Chile, a Corte determinou que, em situações nas quais os fatos que deram origem a uma controvérsia ocorreram sob regimes autoritários ou condições que limitaram o acesso à justiça, é fundamental que as autoridades judiciais adotem uma abordagem que leve em conta essas limitações estruturais. Assim, em certos contextos, os tribunais internos devem considerar as circunstâncias específicas de um caso ao analisar questões processuais, como a prescrição extintiva, especialmente frente a graves violações de direitos humanos.

Da mesma forma, no caso Vega González, entre outras questões, foi ressaltada a importância da proporcionalidade das penas em casos de graves violações dos direitos humanos.

Em outros casos já resolvidos, e que estão prestes a ser notificados, foram abordados aspectos relacionados à situação de adolescentes privados de liberdade, estabelecendo, pela primeira vez, padrões específicos para a matéria. Igualmente, no campo da igualdade e não discriminação, foram analisadas a aplicação de padrões de devida diligência reforçada na investigação de denúncias de discriminação racial contra pessoas afrodescendentes.

Esses e outros casos relevantes do ano passado permitiram à Corte avançar significativamente em seus padrões, os quais têm demonstrado, ao longo dos anos, a capacidade de gerar um impacto transformador na ordem jurídica e política da região, não apenas reparando violações específicas de direitos humanos, mas atuando como catalisadores para a evolução dos sistemas democráticos e a consolidação do Estado de Direito.

Muitos outros padrões relevantes foram desenvolvidos e não os menciono por questões de tempo, mas não há dúvida de que, por trás de cada caso, existem histórias de vidas transformadas. Cada caso representa uma pessoa, uma família ou uma comunidade que encontrou neste Tribunal uma voz e esperança para alcançar reparação e justiça.

III. Aspectos da agenda 2025

Quanto a este ano de 2025, a agenda também será intensa. Em função da transição nas composições dos juízes, o Tribunal continuará, por alguns meses, deliberando sentenças e pareceres consultivos com a composição anterior, enquanto conhece a agenda completa de casos deste ano.

O ano judiciário para este ano inclui sessões em 11 dos 12 meses. Temos previsto realizar períodos de sessões na Guatemala e no Paraguai, bem como audiências de supervisão do cumprimento na Bolívia e no Chile, reafirmando nossa missão de estar próximos das comunidades que mais necessitam da proteção da justiça interamericana. Devo agradecer a esses Estados por viabilizarem a atuação jurisdicional do Tribunal em seus territórios.

Com vistas a 2025, a Corte conhecerá casos relacionados à proteção de pessoas privadas de liberdade, ou em que se alega uso excessivo da força policial em contextos de protestos sociais, violência de gênero – muitos deles em contextos institucionais, como violações sexuais contra mulheres indígenas, execuções, esterilizações forçadas. Infelizmente, o problema da violência contra a mulher e populações vulneráveis tem se agravado na região em níveis alarmantes. Também conheceremos casos em que se alega a falta de devida diligência na investigação de execuções extrajudiciais, temas relativos aos povos indígenas, estupro de pessoa idosa por membros do exército, entre outros.

Adicionalmente, ingressou à Corte uma nova solicitação de parecer consultivo apresentada pela Guatemala, que coloca a questão central de se os Estados estão obrigados a promover a democracia como um direito humano protegido pela Convenção Americana. O parecer consultivo busca esclarecer as obrigações específicas dos Estados para promover e proteger a democracia representativa na região.

Nos últimos anos, temos observado uma tendência dos Estados em participar da discussão dos grandes temas de direitos humanos por meio de pareceres consultivos, o que, sem dúvida, é um ato de maturidade do sistema interamericano.

Por outro lado, na agenda do Tribunal para este ano, e sempre com o objetivo de fortalecer a atuação jurisdicional, considerei oportuno atualizar o Regulamento da Corte, que não era reformado há 15 anos, em aspectos muito pontuais relacionados basicamente à tramitação interna dos casos contenciosos. Preparamos um projeto preliminar para iniciar essas discussões com a Secretaria e o departamento jurídico do Tribunal, a quem agradeço sua colaboração e contribuições. Uma vez avaliado pelo tribunal, o projeto será socializado e, antes do fim do ano, esperamos fortalecer esse aspecto nevrálgico de nossa Corte.

IV. Reflexões finais

Para concluir, permitam-me compartilhar brevemente uma reflexão que, embora evidente, se mostra imprescindível nestes tempos de incerteza: a democracia e os direitos humanos são pilares essenciais na construção de sociedades justas, livres e equitativas.

Nesse contexto, a liberdade ocupa um lugar central. É, sem dúvida, um valor fundamental, mas também um conceito que deve ser defendido, compreendido e promovido em todas as suas dimensões.

É precisamente essa liberdade que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos protege, cujo preâmbulo estabelece a necessidade de consolidar em nosso continente, no marco das instituições democráticas, um regime de liberdade pessoal e justiça social.

Não podemos perder de vista que a liberdade, núcleo do regime internacional dos direitos humanos, transcende o mero aspecto econômico. Embora a liberdade econômica seja crucial, ela não pode se sustentar por si só nem ser a solução para as complexas realidades sociais e estruturais que afetam nossas sociedades. A liberdade depende de um ambiente de estabilidade, fundamentado em uma rede inter-relacionada de direitos: igualdade, liberdade de expressão, liberdade de pensamento, liberdade para professar uma fé ou não, liberdade para dissentir, para pertencer a uma facção política sem temor de represálias, respeito à legalidade, integridade eleitoral, separação de poderes e justiça, entre muitos outros, sem os quais ela perderia seu verdadeiro significado e se tornaria uma noção vazia, incapaz de garantir a dignidade e o bem-estar das pessoas.

Hoje, a liberdade que tanto almejamos como região está ameaçada pelo populismo, em suas múltiplas formas, que frequentemente instrumentaliza a linguagem da democracia e da liberdade para subverter seus princípios por dentro.

Octavio Paz nos lembra que: “A liberdade não precisa de asas, o que precisa é fincar raízes”. Não basta proclamá-la; devemos garantir que ela se enraíze em nossas instituições, em nossas leis e, sobretudo, na vida cotidiana das pessoas.

Nestes tempos de dificuldades para nossa região e para o mundo, não podemos desistir da luta pela dignidade humana, pois fazê-lo significaria renunciar à essência da civilização e da democracia. Assim, a resiliência se impõe como um imperativo moral e jurídico.

Não desistir é, antes de tudo, um compromisso ético e político com o presente e o futuro da humanidade. Os desafios são grandes, mas é precisamente na resiliência coletiva que reside nossa capacidade de superá-los e preservar os princípios universais que nos unem como civilização.

Não esqueçamos que tanto a Convenção Americana quanto o sistema interamericano de direitos humanos surgiram como um ato de resiliência frente à opressão, violência e injustiça. Quarenta e cinco anos depois, continuamos firmemente cumprindo nosso mandato de defender a Convenção Americana – um anseio de democracia e liberdade que nos une e que segue sendo o clamor de nossa região.

Muito obrigada.